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    FGTS pode perder R$ 70 bi com ampliação de saques e comprometer habitação

    Daniel Caravetti

    18/08/2020

    O Projeto de Lei 4.085/20, que autoriza o trabalhador a fazer um saque extraordinário de R$ 1.045 de sua conta do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), tem preocupado os setores imobiliário e de construção civil. Fundamental no financiamento habitacional do Brasil, o fundo está com a sua liquidez ameaçada e pode perder quase R$ 70 bilhões.

    Vale lembrar que o saque já estava previsto na MP (Medida Provisória) 946/20, a qual foi retirada da pauta do plenário da Câmara dos Deputados a pedido do governo federal. Dessa maneira, a iniciativa perdeu a validade sem votação, dando origem ao Projeto de Lei de igual teor. 

    A justificativa para a liberação do saque extraordinário é que ele será capaz de movimentar a economia e ser uma fonte de renda à população desassistida no atual contexto de pandemia. A discussão, entretanto, é sobre o esgotamento de recursos do fundo de garantia, que já deixou de recolher R$ 13,4 bilhões por conta de outras medidas do governo federal no combate à crise econômica.

    “A MP 927, que suspendeu o recolhimento do FGTS por três meses dos empregadores, fez com que R$ 10,9 bilhões não entrassem no fundo. Já a MP 936, que permitiu a redução de jornada e suspensão de contrato de trabalho, impediu a entrada de R$ 2,5 bilhões”, garantiu o diretor do Departamento de Gestão de Fundos do Ministério da Economia, Gustavo Tilmann, em live realizada pela CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção).

    Fora isso, o especialista ressaltou que os saques-aniversário devem captar R$ 9,4 bilhões do fundo e que houve pausa em contratos de operações nas quais o FGTS empresta dinheiro, como no caso da habitação, somando mais de R$ 8 bilhões represados. Por sua vez, o saque emergencial, caso liberado, deve custar 37,8 bilhões. No total, o fundo pode registrar perda de aproximadamente R$ 70 bilhões.

    “É um panorama de estresse, já que as medidas vêm afetando receitas, aplicações e despesas do fundo. Os pleitos são ilimitados, mas os recursos são finitos. É importante ressaltar que o FGTS não pode atender todas as necessidades”, acrescentou Tilmann.

    O que deve ser prioridade para o FGTS?

    Uma vez que o Ministério da Economia entende que não há como atender todas as demandas com os recursos do FGTS, um debate sobre as aplicabilidades do fundo naturalmente é introduzido. Marcel van Hattem, deputado federal do Rio Grande do Sul e relator da MP 946/20, prioriza a possibilidade do trabalhador sacar o dinheiro.

    “Devemos garantir que o trabalhador tenha acesso ao fundo de garantia durante a pandemia. A única maneira de captar esses recursos atualmente é antecipar os três próximos saques-aniversário através de um empréstimo junto à Caixa. Assim, o trabalhador vai pagar juros sobre um dinheiro que é dele, o que é injusto”, disse durante a live.

    Assumidamente um político liberal, van Hattem acredita que os saques poderão impulsionar o consumo e ainda criticou a ‘dependência’ da construção civil em relação aos recursos do fundo. 

    O FGTS acabou se tornando uma muleta para o setor, que se financia com dinheiro do trabalhador. A construção deve ficar feliz no momento em que conseguir deixar essas ‘muletas’ de lado e viver em um mercado livre, no qual o funding privado será barato”, completou.

    Função social do FGTS

    Baseado no déficit habitacional que ainda existe no Brasil, o presidente da CBIC, José Carlos Martins, discorda do posicionamento do deputado federal: “A verdade é que as famílias de baixa renda no Brasil não têm sobra de renda e, por isso, não serão financiadas pelos bancos. Quem precisa do FGTS são elas e não o construtor. Este poderia atuar em diversos outros segmentos”, respondeu na live.

    O representante ainda lembrou que, das 70 milhões de unidades habitacionais que existem atualmente Brasil, 12 milhões foram financiadas com o fundo de garantia, o que significa mais de 17% do total. “Sem o fundo, que financia a habitação desde 1966, o déficit habitacional seria 150% maior. Imagine como seriam as cidades?”, questionou Martins.

    Fora isso, o presidente da CBIC entende que o investimento em habitação, infraestrutura e saneamento básico pode impulsionar mais a economia do que a ampliação dos saques, até por ser importante na geração de empregos. Neste sentido, acredita que os saques extraordinários devem ser disponibilizados apenas para os brasileiros que passam por dificuldades durante a pandemia.

    “Quando você financia uma habitação, existe a certeza de que a economia local vai se movimentar, desde o fornecimento e transporte de material até as mercearias. Quando eu incentivo o consumo, em vez de gerar emprego no Brasil, posso estar gerando na China. Vale lembrar que na sua origem, o fundo de garantia foi criado para gerar emprego e bem-estar social”, afirmou.

    Outra entidade do setor, a Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) se posiciona de maneira semelhante: “O FGTS é o motor da habitação de baixa renda no Brasil, onde há déficit de 7,8 milhões de moradias. O fundo exerce uma função social, possibilitando que pessoas tenham prestações coerentes com a sua renda”, diz o presidente Luiz Antônio França, para a Smartus.

    “Vemos com muita preocupação a ampliação de saques, que podem esvaziar completamente o fundo, prejudicando quem precisa de uma casa para morar e quem realiza investimentos para gerar emprego e renda”, completa.

    Relator do projeto de lei

    O deputado federal Marcelo Ramos, do Amazonas, deve ser o relator do Projeto de Lei 4.085/2020, que libera o saque emergencial do FGTS. Ele assume posição conciliadora: “Considerando o momento extraordinário que vivemos, devemos permitir saques, mas não perder a liquidez do fundo e a capacidade de investimento em infraestrutura, saneamento e habitação”.

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