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    Artigo

    Desafios e conflitos do trabalho remoto

    Por Gisela da Silva Freire e Marcos Lopes Prado, sócios do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados

    Outubro/2020

    O trabalho à distância com o uso de meios telemáticos, em suas diversas classificações – teletrabalho, home office, trabalho remoto -, deixou de ser uma tendência e passou a incorporar a rotina das empresas do mundo inteiro. O contexto da pandemia acelerou esse processo, embora tenha instalado um sistema de trabalho remoto emergencial e, bem por isso, desestruturado, em razão da ausência de planejamento prévio. 

    Não se pode negar, contudo, que os tempos de pandemia demonstraram que com as ferramentas adequadas, muitas atividades podem ser exercidas de forma remota, ao contrário do que se pensava.

    Diversas empresas estão revisando seus modelos de negócio de forma a incorporar o teletrabalho como uma prática permanente. E essa mudança advém da constatação de que o teletrabalho, quando bem planejado, propicia condições favoráveis para a força de trabalho e para o caixa das companhias.

    São muitos os aspectos que devem ser considerados para a adoção do trabalho remoto. A começar pelo fato de que nem todas as atividades são adaptáveis a esse sistema de trabalho. Segundo estudo realizado por pesquisadores do IPEA, no Brasil cerca de 22,7% das atividades podem ser realizadas em teletrabalho, o que corresponde a 20,8 milhões de pessoas. 

    Essa pesquisa indica ainda que o Distrito Federal apresenta o maior potencial de percentual de teletrabalho (31,6%,) em torno de 450 mil pessoas; São Paulo vem em segundo lugar (27,7%) e Rio de Janeiro, em terceiro (26,7%). Piauí é o Estado que apresenta o menor percentual em teletrabalho (15,6%), ou seja, em torno de 192 mil trabalhadores. 

    Os pesquisadores constataram que dentre as funções passíveis de adoção do teletrabalho estão as de diretores e gerentes, profissionais das ciências e intelectuais, técnicos e profissionais de nível médio e trabalhadores de apoio administrativo, dentre outros.

    Assim, a decisão pela adoção do teletrabalho deve ser precedida de um planejamento prévio, buscando identificar as funções que se adaptam ao teletrabalho, e implementada com a adoção de políticas adequadas e de soluções para garantir a qualidade do trabalho à distância, a manutenção da produtividade, a segurança da informação, a proteção da privacidade e da saúde dos empregados, a comunicação e a aderência dos profissionais aos valores da empresa.

    Um dos grandes desafios do teletrabalho é a garantia da integridade física e psíquica do teletrabalhador e a compatibilização do trabalho remoto com a rotina familiar do profissional. São questões relacionadas à existência de espaço físico adequado para a realização do trabalho, à separação da vida familiar e profissional, à ergonomia e à interação com os demais colegas de trabalho. 

    Uma pesquisa realizada por uma consultoria inglesa de recursos humanos indica que os profissionais mais satisfeitos com o teletrabalho são aqueles que possuem em suas residências um espaço dedicado para isso.

    A regulamentação legal do teletrabalho está concentrada nos artigos 6º, parágrafo único, 62, II e 75ª a 75-E, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A lei conceitua o teletrabalho como sendo aquele exercido preponderantemente fora do estabelecimento do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. 

    A expressão home office não consta da lei, e embora por vezes seja utilizada como sinônimo de teletrabalho, no âmbito jurídico é adotada para definir a espécie de teletrabalho realizado na casa do trabalhador.

    Os direitos dos teletrabalhadores e do trabalhador presencial são, em regra geral, os mesmos, mas há algumas especificidades. A lei estabelece que o contrato de trabalho do teletrabalhador deve ser necessariamente escrito e que o empregado deve assinar um termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador no que concerne à segurança e medicina do trabalho. 

    O contrato deve estabelecer quem vai se responsabilizar pela aquisição e manutenção dos equipamentos. No que tange à jornada de trabalho, a CLT dispõe que os teletrabalhadores não estão sujeitos ao controle de jornada e esse tem sido uns dos temas mais controvertidos do teletrabalho, pois estudos indicam que os empregados que trabalham de casa costumam estender mais a jornada de trabalho do que se estivessem no escritório.

    Em que pese a disposição legal no sentido de que os teletrabalhadores não estão sujeitos a controle de jornada de trabalho, nada impede que o empregador adote referida prática. E neste caso, havendo o extrapolamento da jornada de trabalho legal, deverá existir a contraprestação pecuniária correspondente.

    A Consolidação das Leis do Trabalho não desce a minúcias ao dispor sobre teletrabalho, abrindo espaço para discussões diversas relacionadas às obrigações dos empregadores no tocante, por exemplo, ao custeio de aquisição e manutenção dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária para prestação do trabalho remoto. Essas questões têm sido tratadas em negociações coletivas, mas nem sempre da melhor forma e com a técnica adequada.

    O Ministério Público do Trabalho (MPT) editou recentemente a Nota Técnica nº 17 sobre teletrabalho, em que compila, sistematiza e interpreta diversas normas nacionais e internacionais de proteção ao trabalhador, para instar as empresas, os sindicatos e órgãos da administração pública a adotarem um extenso rol de medidas na hipótese de implementarem o teletrabalho. A Nota Técnica em questão não tem força de lei, mas é um claro indicador da complexidade do tema, que certamente gerará diversas discussões no âmbito judicial.

    Alguns temas concernentes ao teletrabalho ainda não estão bem definidos pela lei, como a possibilidade de fiscalização das condições de trabalho na residência do empregado, qual a norma coletiva aplicável quando o trabalho se der em localidade diversa do estabelecimento da empresa, quais regras se aplicam quando o teletrabalhador exercer suas atividades fora do Brasil para empresa estabelecida no Brasil, entre outros.

    Por isso, seria recomendável a revisão do texto legal vigente, de forma a garantir maior segurança jurídica para todos. O fato é que a tecnologia evolui em velocidade exponencial e qualquer norma que trate a matéria de forma muito restritiva correrá o risco de gerar um  descompasso entre a lei e a realidade, tornando-se ultrapassada rapidamente, mesmo antes de nascer.

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