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    Contratos de locação comercial são os mais afetados pela pandemia

    Segundo especialista, jurisprudência foi errática e aleatória nas decisões

    Henrique Cisman

    22/09/2020

    Tão logo eclodiu a pandemia do novo coronavírus no Brasil, começaram a aparecer os efeitos econômicos em decorrência do fechamento de lojas, bares, restaurantes, shoppings e hotéis. Naturalmente, o primeiro segmento imobiliário impactado foi o de locações, com as incontáveis solicitações de renegociação dos contratos.

    “Algumas empresas de pequeno e médio portes praticamente fecharam as portas por conta da pandemia. No âmbito das locações, o que se observou é quais efeitos jurídicos essa situação teria sobre os contratos em vigor. Muitos invocaram institutos do Código Civil, como caso fortuito ou de força maior, teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, mudança da base objetiva do contrato, dentre outras, para conseguir negociar”, explica Marcos Lopes Prado, sócio do escritório Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados.

    Dentre as solicitações, constam o desconto no valor do aluguel, a suspensão temporária dos pagamentos e, nos casos mais graves, a devolução do imóvel, prática garantida pela lei de locações (nº 8.245/91).

    Segundo Prado, nos contratos de locação imobiliária convencional, a jurisprudência mais tradicional indicava multa de até três aluguéis para não haver abuso sobre o inquilino, embora haja maior tolerância quando a relação é paritária, caso das empresas. Ainda assim, não é cabível a multa integral, como ocorre nos contratos de locação built to suit (BTS), atípicos. 

    “Se a empresa comprovadamente encerrou as atividades por conta da pandemia, evidente que ela teria o direito de pleitear isenção da multa [na devolução do imóvel alugado]. Este seria um caso fortuito ou de força maior – e é apenas para isso que serve este instituto, para afastar a incidência dos encargos moratórios do devedor por um ato para o qual ele não contribuiu nem por culpa nem por dolo, ou seja, não teve intenção nem negligência”, explica o especialista.

    Um dos mais importantes escritórios atuantes no Direito Imobiliário brasileiro, a Cescon Barrieu recomendou aos clientes agir com boa-fé e comprovar as situações, como ocorreu com os lojistas dos shoppings. “As próprias administradoras concederam isenções, descontos ou postergações de pagamentos, inclusive de fundos de promoção e despesas de condomínios”, assinala Prado. 

    Contudo, diante da avalanche de ações judiciais, “a jurisprudência foi muito errática e aleatória”, de acordo com o especialista: “Não houve um padrão de isenção e descontos, exceto no Estado de Minas Gerais, que concedeu 50% do aluguel por períodos médios de 3 meses, quando em favor da redução”.

    Nos shoppings, cujo aluguel é vinculado a um percentual do faturamento do lojista, o modelo foi muito utilizado como argumento para reduzir o valor no início da pandemia, com algumas liminares concedendo o direito de redução. Segundo Marcos Prado, posteriormente se pacificou entendimento de que tais decisões não deveriam ocorrer porque locatário e locador não são sócios.

    “A lei de locações prevê ação revisional de aluguel, mas existem requisitos próprios – tanto para aumentar quanto para reduzir o aluguel a cada três anos, a fim de equalizar os valores aos preços de mercado, já que no setor imobiliário eles são cíclicos e nem sempre acompanham o movimento inflacionário”, destaca.

    Entretanto, no cenário da pandemia, a ação revisional não é um instrumento jurídico adequado, uma vez que há grande dificuldade para a precificação de ativos imobiliários no atual contexto. “Ainda estamos em um momento de ajuste do mercado. Ninguém sabe, por exemplo, onde vai estacionar a taxa de vacância nos escritórios em virtude do home office, ou quanto vai subir o preço dos galpões logísticos”, pondera o especialista.

    Nestes casos, portanto, o ideal é que o Poder Judiciário interfira no menor nível possível. “O livre mercado é sempre a melhor solução. As partes têm o dever de negociar com boa-fé, baseadas também no Código Civil, e o contrato deve ser preservado ao máximo, até com base na Lei da Liberdade Econômica, positivada entre nós e que faz parte do Código Civil. No limite das possibilidades, os contratos devem ser cumpridos”.

    Expectativa sobre os distratos

    Segundo Marcos Lopes Prado, nos mercados de incorporação e loteamentos havia uma expectativa de que a pandemia pudesse aumentar expressivamente o número de cancelamentos de contrato, bem como existia dúvida se a Lei dos Distratos (nº 13.786/18) seria aplicada tal como sancionada ou se seria flexibilizada diante da pandemia. 

    “Os números não mostram esse aumento expressivo dos distratos. Apesar do novo paradigma [de compra e venda de imóveis], as vendas foram bem – menores que as projeções do início do ano, mas muito satisfatórias. Essa questão da Lei dos Distratos não aconteceu”, afirma.

    Ainda, logo que começaram as medidas de isolamento social, houve questionamentos sobre os prazos de entrega da obra e de carência da incorporação – se eles seriam ou não afetados pela pandemia. Porém, o governo federal rapidamente decretou a construção civil como atividade essencial e poucos estados seguiram com restrições mais rígidas aos canteiros.

    Dessa forma, também neste sentido não houve qualquer alteração. “Não há impactos nem de mão de obra nem de redução do ritmo que justifiquem atrasos além dos já previstos na lei (180 dias)”.

    Finalmente, Prado destaca as novidades trazidas pelo regime jurídico emergencial (Lei Federal nº 14.010/20) nos contratos imobiliários, com maior relevância para a suspensão das liminares de despejo de aluguel concedidas entre março e outubro. 

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